sexta-feira, dezembro 13, 2013

Bodo aos ricos

Posse da comissão de reforma do Código do IRC

O debate quinzenal desta manhã terminou numa enorme barafunda, com António José Seguro a convocar Passos Coelho para um debate com “data, local e regras” a definir. Tudo por causa da reforma do Código do IRC encomendada a António Lobo Xavier.

O mais elementar senso comum afastaria a possibilidade de aparecer um político a defender, em simultâneo, a redução da carga fiscal sobre as empresas e o corte de pensões, incluindo as de viuvez, e salários. Só um governo sem um pingo de vergonha se atreveria a tanto.

Mas, já que o tema está na ordem do dia, estamos a falar de quê, quando se fala da reforma do Código do IRC com as impressões digitais de António Lobo Xavier?

A reforma não resiste ao teste mais rudimentar: foi concebida para servir as grandes empresas. Para além da descida da taxa nominal, há um conjunto alargado de medidas com o propósito de diminuir a carga fiscal que incide sobre as grandes empresas:
    Regime de privilégio de afiliação (participation exemption), através do qual as sociedades ficam isentas de IRC quando recebem dividendos e mais-valias do estrangeiro ou distribuam capitais para o exterior, impondo o cumprimento de um conjunto de requisitos muito mais flexíveis — de resto, “em contraciclo relativamente a algumas iniciativas internacionais em matéria de erosão das bases tributáveis (nomeadamente ao nível da OCDE e G20) e mesmo dos nossos vizinhos espanhóis (ver o recente "Plan Anual de Control Tributario y Aduanero de 2013")” (vide o ponto 2 do artigo de Henrique de Freitas Pereira no Jornal de Negócios );
    Regime dos grupos de sociedades, aligeirando a possibilidade de os grupos poderem ser tributados pelo resultado consolidado das empresas que o constituem;
    Outras medidas para o encurtamento da base tributável (quando seria expectável que a uma descida da taxa correspondesse um alargamento da base tributável), de que são exemplos (i) alterações à regra geral da indispensabilidade dos gastos para que sejam aceites para efeitos fiscais (regra que vigora em Portugal há pelo menos 50 anos) e (ii) ao reporte de prejuízos (alargado de cinco para 12 anos) e (iii) e a criação de uma nova norma para permitir a dedutibilidade do custo de aquisição de activos intangíveis, propriedades de investimento e activos biológicos não consumíveis (vide o ponto 3 do artigo de Henrique de Freitas Pereira no Jornal de Negócios )

Para se ter uma ideia do ponto de partida (e de chegada) do projecto de reforma do Código do IRC, atente-se neste comentário de um fiscalista: “Numa série de casos bem significativa, a Comissão [de António Lobo Xavier] opta pela terapêutica "interpretativa" (evidentemente entre aspas, pois a jurisprudência do TC nunca permitiria verdadeiras normas interpretativas), ou seja, nos casos dos grandes de litígios entre as grandes empresas e o Fisco, o anteprojecto opta, invariavelmente, por alterar a lei segundo a interpretação que tem vindo a ser sustentada pelos contribuintes nas impugnações ou reclamações.”

Muitos dos fiscalistas que, durante o Verão, se pronunciaram acerca desta reforma a convite do Jornal de Negócios coincidem num ponto: a par do bodo aos ricos, não foram feitos estudos que permitam quantificar a perda de receitas fiscais que estas alterações poderiam, se adoptadas, provocar. A comissão ainda avançou que a redução da taxa (de 25 para 23%) significaria uma erosão de receitas de 219 milhões de euros, mas de imediato “o Governo decretou um apagão sobre este valor e fala em apenas 70 milhões, omitindo o que justifica a diferença e as suas implicações.

Assim sendo, se não forem refeitos os aspectos essenciais da reforma do Código do IRC elaborada por Lobo Xavier, não parece arriscado concluir o seguinte: “Em Portugal, os contribuintes com volume de negócios até 150 mil euros pagam IRC a uma taxa efectiva de 20%, aqueles com volume de negócios acima de 250 milhões pagam-no a 15%. Estes passarão a pagar menos ainda.” Compreende-se a resistência do PS em aceitar este bodo aos ricos, porque ficaria a classe média, através do agravamento do IRS, e/ou a população em geral, através do aumento das taxas do IVA, com o encargo de compensar a erosão das receitas tributárias.

3 comentários :

Anónimo disse...

Resistência ? esperemos bem que sim.

Anónimo disse...

"um debate com “data, local e regras” a definir."

vão andar à porrada? parece!

Anónimo disse...

Antes andassem ....